Os países em desenvolvimento têm alertado, cada vez com mais frequência, para o fato de serem, “injustamente”, os alvos dos impactos da falta de ação dos países ricos para reverter alguns dos efeitos das alterações climáticas, ou pelo menos evitar que as temperaturas globais aumentem mais de 1,5º Celsius. Nesta segunda-feira (8), em que começa a segunda semana da cúpula climática da Organização das Nações Unidas (ONU) em Glasgow, na Escócia, vários grupos de comunidades vulneráveis, indígenas, ativistas e membros da sociedade civil criticam as restrições de acesso às negociações. Paralelamente, foi revelado que a maior delegação presente na COP26 é a de representantes da indústria dos combustíveis fósseis, o que leva os especialistas a questionar a legitimidade do evento.
Os debates nesta semana serão sobre temas como a adaptação às alterações climáticas, o papel da mulher na ação climática, a ciência e inovação, a descarbonização dos transportes e as cidades, culminando com o fim das negociações na sexta-feira (12). As negociações visam a um acordo final da COP26, a ser assinado por todos os 197 países que participam do encontro.
O documento deverá incluir metas concretas para o corte das emissões de dióxido de carbono e para o aumento do investimento público no combate, mitigação e adaptação às alterações climáticas. Mas as negociações continuam a ocorrer a portas fechadas e, por isso, a legitimidade da cúpula tem sido questionada por participantes da sociedade civil, que consideram as restrições de acesso às negociações “inéditas e injustas”.
Integrantes de centenas de organizações ambientais e acadêmicas, de justiça climática, de comunidades indígenas e de grupos de direitos das mulheres, que estão como observadores das negociações da COP26, afirmam que serem excluídos das negociações pode ter consequências nefastas para milhões de pessoas.
“As vozes da sociedade civil são fundamentais para o resultado da COP26, mas não temos sido capazes de fazer o nosso trabalho. Se a participação e a inclusão são a medida de legitimidade, então estamos num terreno muito instável”, disse ao The Guardian Tasneem Essop, diretor executivo da Climate Action Network (CAN), que representa mais de 1.500 organizações em mais de 130 países.
Os observadores são uma espécie de vigilantes informais da cúpula. Isto é, são os olhos e os ouvidos do público durante as negociações, para garantir que os procedimentos sejam transparentes e que reflitam as preocupações das comunidades e grupos com maior probabilidade de serem afetados pelas decisões dos líderes mundiais.
No entanto, sua capacidade de observar, interagir e intervir nas negociações sobre os mercados de carbono, catástrofes e danos e até sobre as necessidades de financiamento climático foi restrita durante a primeira semana, diz o jornal britânico.
“Há milhares de ativistas que deviam estar aqui, mas estão ausentes e é chocante que se restrinja o espaço para a sociedade civil e as vozes da linha de frente. É ofensivo, injusto e inaceitável”, considerou também Gina Cortes, membro do Grupo de Mulheres e Gênero, acrescentando que têm de ser denunciadas “as profundas desigualdades e injustiças desta cúpula”.
Mais inclusiva
Na preparação para a 26.ª Conferência das Nações Unidas para as Alterações Climáticas, o governo britânico assegurou que o encontro em Glasgow seria o mais inclusivo realizado até agora. Mas, na realidade, cerca de dois terços das organizações não governamentais (ONGs) que habitualmente têm delegados em representação na COP não estão em Glasgow. Restrições por causa da vacinação contra a covid-19, limites nas viagens e até preços dos deslocamentos foram alguns dos principais motivos que impediram a presença de muitas instituições.
De acordo com os observadores, a situação foi mais crítica nos primeiros dois dias de encontros de líderes, na semana passada, quando cada organização podia ter a participação apenas de dois representantes, quando ocorriam eventos diferentes em seis salas de negociação, simultâneamente.
Além disso, na edição deste ano da cimeira climática da ONU as estações de trabalho, os gabinetes e até as zonas de alimentação também foram isoladas, de forma a impedir que os observadores tenham contato direto com os negociadores.
“Este é um nível de restrições sem precedentes”, afirmou Sebastian Duyck, do Centro de Direito Ambiental Internacional. “É alarmante, porque as relações que estabelecemos no início da cúpula são cruciais para o trabalho que fazemos depois. A participação limitada afeta a credibilidade da COP26”.
“Há um risco real de que as decisões tomadas nessas salas afetem os direitos humanos da maneira mais dramática, como já vimos acontecer no mecanismo de comércio de carbono de Kyoto. Se optarem por uma medida incorreta, é quase impossível alterar depois. A escala dos mercados de carbono significa que há uma ameaça maior para as comunidades”, adiantou Duyck.
“Sem as nossas vozes, está em risco a criação de regras que continuarão a violar os direitos humanos, territoriais e espirituais dos povos indígenas”, explicou Eriel Deranger, um observador da Ação Climática Indígena.
Governo britânico
Em resposta às críticas, o governo do Reino Unido confirma os desafios sem precedentes devido à pandemia da covid-19 e às regras de saúde pública. Contudo, a organização tentou amenizar esses desafios com a participação de mais membros da sociedade civil, criando um plataforma online onde muitos dos representantes dos grupos e ONGs podem assistir aos trabalhos da conferência.
“O Reino Unido está empenhado em hospedar uma cimeira inclusiva. Garantir que as vozes das pessoas mais afetadas pelas alterações climáticas sejam ouvidas é uma prioridade para a presidência da COP26 e, se quisermos ajudar o nosso planeta, precisamos que todos os países e a sociedade civil continuem a expressar as suas ideias e ambições em Glasgow”, declarou um porta-voz no mês passado.
Mas as críticas mantêm-se. Segundo Hellen Kaneni, da organização Corporate Accountability, o acesso virtual tem sido alvo de muitas “falhas técnicas” o que o torna num “pesadelo logístico”.
Fonte: Agência Brasil