O dólar subiu no mercado doméstico de câmbio e se firmou acima do patamar de R$ 5,30 nesta sexta-feira, 4, em meio a uma onda de valorização da moeda norte-americana frente a divisas emergentes. Dados surpreendentes da geração de empregos nos Estados Unidos levaram a um aumento das apostas de que o Federal Reserve vai promover, a partir de março, uma alta mais forte e extensa da taxa de juros.
Aos ventos externos negativos somou-se a volta do temor de recrudescimento do risco fiscal doméstico. O senador Carlos Fávaro (PSD-MT) apresentou nesta sexta uma versão da PEC dos Combustíveis que, além de permitir redução de tributos sobre combustíveis em 2022 e 2023 sem compensação fiscal, traz uma série de bondades, como auxílio-diesel a caminhoneiros, subsídio ao transporte público e aumento da cobertura do vale-gás.
Fontes informaram ao Broadcast (sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado) que, segundo cálculos iniciais da equipe econômica, essa proposta teria impacto fiscal de mais de R$ 100 bilhões – enquanto o texto apresentado na quinta na Câmara dos Deputados implicaria renúncia entre R$ 52 bilhões e R$ 54 bilhões. Não por acaso, a proposta de Fávaro teria sido apelidada nos bastidores do Ministério da Economia de “PEC Kamikaze”.
Na abertura dos negócios, o dólar até ensaiou uma nova rodada de queda, descendo até a mínima de R$ 5,2811 (-0,27%), mas virou ainda pela manhã, com a divulgação do relatório de emprego (payroll) nos EUA, e não apenas rompeu o nível de R$ 5,30, como passou a ser negociado na casa de R$ 5,34. O momento de maior pressão sobre o real se deu no início da tarde e coincidiu com a informação sobre o impacto fiscal da PEC dos Combustíveis apresentada no Senado. Foi quando o dólar furou pontualmente o patamar de R$ 5,35 e registrou máxima a R$ 5,3598 (+1,05%).
Com a desaceleração do ritmo de alta da moeda americana lá fora e a virada do Ibovespa para o campo positivo, o dólar à vista perdeu parte do fôlego por aqui e fechou a R$ 5,3220, avanço de 0,50%, emendando o terceiro dia seguido de alta. Mesmo assim, a moeda encerra a semana em queda de 1,26%. Na semana passada, quando o dólar se situou abaixo de R$ 5,40, as perdas foram de 1,20%. No ano, a desvalorização acumulada é de 4,55%. O contrato de dólar futuro para março subiu 0,75%, a R$ 5,35900, com giro de US$ 12,3 bilhões.
No exterior, o índice DXY – que mede o desempenho da moeda americana frente a uma cesta de seis moedas – chegou a tocar os 95,700 pontos, mas desacelerou para a casa de 94,400, operando em leve alta. O dólar subiu em bloco frente a divisas emergentes e de exportadores de commodities, como raras exceções, como o rublo.
Divulgado pela manhã, o payroll mostrou criação líquida de 467 mil empregos em janeiro, bem acima da expectativa do mercado (150 mil vagas). Mais: o salário médio por hora aumentou 0,73% em relação a dezembro, superando a previsão de alta de 0,50%. Esses dados ofuscaram o fato de a taxa de desemprego ter passado de 3,9% em dezembro para 4% em janeiro. Além da surpresa com o número de postos de trabalho criados no mês passado, houve revisão de geração vagas em dezembro (de 199 mil para 510 mil) e em novembro (de 249 mil para 647 mil).
“Pensando em política monetária, o payroll sacramenta a alta de juros nos Estados Unidos em março e ainda dá espaço para parte do mercado falar que o Fed pode começar com 0,50 (ponto porcentual), embora a grande aposta ainda seja de 0,25 (ponto porcentual)”, afirma Gustavo Cruz, economista e estrategista da RB Investimentos, pontuando que é preciso, contudo, relativizar parte da surpresa com o payroll, já que, no início desta semana, as expectativas haviam sido reduzidas. “Hoje, não só a moeda brasileira, mas outros emergentes estão perdendo. O dólar tem alta mais forte em relação a pares (da moeda brasileira), como o rand sul- africano”.
Embora o diferencial entre juros internos e externos tenda a continuar elevado mesmo com uma alta mais pronunciada da taxa nos EUA, é natural que haja um ajuste de posições no mercado doméstico de câmbio em dia de fortalecimento global do dólar e de elevação das taxas dos Treasuries. Nunca é demais lembrar que o real, visto como muito “depreciado” até o fim do ano passado, foi um dos grandes vencedores na onda recente de apreciação de divisas emergentes – graças a fluxo positivo para a Bolsa brasileira e ao aumento da atratividade das operações de “carry trade”.
O economista-chefe da JF Trust, Eduardo Velho, observa que, além do payroll forte, o dólar é pressionado pelo que chama de “flexibilização fiscal” no Congresso brasileiro, com apresentação de PECs que representam perda de arrecadação. “Existe um movimento da base política do governo para aumentar gastos e reduzir impostos, o que piora o fiscal”, diz.
Velho também argumenta que a entrada robusta de recursos para a Bolsa local, com consequente melhoria do fluxo cambial, já foi absorvida pelo mercado. “O fluxo para economias emergentes, como o Brasil, ainda é favorável no curtíssimo prazo, mas avaliamos que o movimento mais expressivo ocorreu em janeiro. E o ajuste mais relevante da posição vendida dos bancos também já é retrovisor”, afirma o economista, acrescentando que o novo posicionamento do Banco Central, que sinalizou nesta semana redução do ritmo de alta da Selic e proximidade do fim do ciclo de aperto, também contribui para um retorno da taxa de câmbio ao patamar de R$ 5,30.
Fonte: Estadão Conteúdo