Um acúmulo anormal de gordura em algumas regiões do corpo, principalmente nas pernas, coxas e, às vezes, no braço. Essa é a definição do lipedema, uma condição que acomete cerca de 10% das mulheres no mundo e que muitas vezes é subdiagnosticado.
Apesar de ser confundida com obesidade ou linfedema, a condição tem características próprias, como sensibilidade ao toque e tendência a formar hematomas.
A condição foi descrita pela primeira vez em 1940 por médicos da Clínica Mayo, mas só virou oficialmente doença em 2022, quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) incluiu o lipedema na CID.
Agora, com o lipedema “em alta”, médicos alertam para os diagnósticos incorretos e para os tratamentos milagrosos prometidos em redes sociais.
“O lipedema muitas vezes foi ignorado, mas nos últimos tempos começou a ser diagnosticado. Aí caiu para outro lado: por ser uma terra meio sem dono, entrou um grupo que diz que quase todo mundo tem lipedema, oferecendo tratamentos milagrosos“, pontua o endocrinologista Bruno Halpern, vice-presidente da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso).
As causas e as características do lipedema
O lipedema afeta quase exclusivamente mulheres. Embora sua causa exata seja desconhecida, especialistas explicam que fatores genéticos e hormonais parecem estar envolvidos, porque ele costuma piorar com variações hormonais, especialmente a relacionadas ao estrogênio, como puberdade, gravidez e menopausa.
Fábio Kamamoto, cirurgião plástico e diretor do Instituto Lipedema Brasil, explica que a doença provoca dor nas pernas e uma desproporção entre a cintura e os membros inferiores. Além disso, ocorre uma resposta pobre à perda de peso.
“Quando você faz dieta, atividade física regular, você consegue perder peso. No lipedema você vai perder peso da cintura para cima, mas a perda de gordura da cintura para baixo é ruim”, diz.
Essa distribuição anormal de gordura pelo corpo, inclusive, é o que difere o lipedema da obesidade, apesar de as condições coexistirem em muitos casos. Na obesidade, o ganho de peso é homogêneo — a pessoa engorda em diversas partes do corpo. No lipedema, a pessoa acumula gordura em determinados pontos.
“No lipedema, a gordura se acumula de forma simétrica, preferencialmente nas pernas, e não atinge os pés. Essa gordura é dolorosa e sensível ao toque“, completa André Estenssoro, cirurgião vascular e endovascular do Hospital Sírio Libanês e do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
Apesar de não ser causada pela má alimentação, a condição evolui melhor quando a paciente exclui ultraprocessados, álcool, carboidratos e açúcar refinado.
Em resumo, os sintomas do lipedema incluem:
- Aumento desproporcional de gordura nas pernas e/ou braços
- Acúmulo de gordura ao redor dos tornozelos, poupando os pés
- Dor e sensibilidade ao toque nas regiões acometidas
- Inchaço que piora ao longo do dia
- Sensação de pernas pesadas
- Dificuldade de perder gordura nas áreas envolvidas, mesmo com dieta e exercícios.
- Hematomas espontâneos
Estágios e tipos de lipedema
O lipedema é classificado em diferentes tipos com base na área do corpo afetada:
- Tipo 01: afeta primariamente a região pélvica, nádegas e quadris.
- Tipo 02: estende-se dos quadris aos joelhos, com uma clara demarcação na área do joelho.
- Tipo 03: desde os quadris até os tornozelos, afetando toda a perna.
- Tipo 04: afeta os braços. É menos comum e ocorre geralmente com outro tipo que afeta as pernas.
- Tipo 05: envolve a região inferior das pernas e tornozelos, criando um “punho de meia”.
Além disso, a doença evolui em estágios progressivos:
- Estágio 01: pele lisa, macia, mas com acúmulo de gordura, um inchaço mínimo.
- Estágio 02: pele irregular, com nódulos de gordura e aspecto de casca de laranja.
- Estágio 03: nódulos grandes e deformidades evidentes, com comprometimento dos joelhos.
- Estágio 04: envolvimento do sistema linfático, levando ao linfedema.
Vale pontuar que lipedema é diferente de linfedema, uma outra condição que provoca inchaço em determinadas regiões do corpo e que ocorre quando os vasos linfáticos ficam danificados ou obstruídos, impedindo que a linfa seja drenada. O excesso de gordura causado pelo lipedema pode bloquear o sistema linfático, impedindo a drenagem adequada da linfa.
Diagnóstico clínico
Os especialistas explicam que o diagnóstico do lipedema é basicamente clínico. Por isso, é essencial procurar um profissional adequado.
“Temos visto um aumento no número de pacientes que acham que têm lipedema sem ter. A conscientização é positiva, mas é essencial buscar um especialista para um diagnóstico correto“, orienta Leonardo Pires de Sá Nóbrega, cirurgião vascular e membro da diretoria da Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular (SBACV).
Alguns exames também podem auxiliar no diagnóstico. Entre eles, a dosagem de gordura corporal e ultrassonografia.
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Tratamentos e qualidade de vida
Atualmente, não há uma cura para o lipedema, nem remédio, mas existem tratamentos que podem reduzir os sintomas e melhorar a qualidade de vida. A indicação vai depender do estágio e da gravidade da doença.
“O primeiro passo é adotar um estilo de vida mais saudável. É bom manter uma alimentação com folhas verdes, frutas, castanhas, nozes, leguminosas, evitar bebidas alcoólicas”, elenca Nóbrega.
O exercício físico também faz parte do tratamento, principalmente atividades que envolvem membros inferiores, como natação, caminhada, corrida, musculação, bicicleta. Completam o combo as meias de compressão (sempre prescritas por um profissional) e a drenagem linfática.
Em casos mais graves, a cirurgia pode ser indicada. Fábio Kamamoto explica que o primeiro passo é o tratamento chamado conservador, listado acima. Se a pessoa não teve melhora com as mudanças no estilo de vida, pode ser a hora da lipoaspiração.
“A indicação não é sair operando todo mundo. Precisa trabalhar mudanças de hábito, rever a rotina da paciente. O tratamento precisa ser bem indicado pelo profissional”, orienta o cirurgião plástico.
Kamamoto lembra que a saúde mental da paciente também precisa ser levada em consideração. Por isso, é essencial que o tratamento seja multidisciplinar, com diversos profissionais, incluindo psiquiatra e psicólogo. Ele também destaca a necessidade de reconhecer o lipedema como uma doença, garantindo acesso a tratamentos.
“Se entendemos que a doença causa sofrimento, limitação e lesão tecidual, é justo que o tratamento esteja acessível a todas, independentemente da condição financeira”, finaliza o cirurgião, que tem um braço social no Instituto Lipedema, a ONG Movimento Lipedema, que oferece tratamento gratuito para pacientes diagnosticadas com a doença.
Fonte: G1