Palmeiras faz ‘teste de fogo’ em reconhecimento facial na final do Paulistão

Passados quase três meses desde que funcionou pela primeira vez o sistema de reconhecimento facial no Allianz Parque, a tecnologia, adotada principalmente para diminuir a ação dos cambistas nos arredores da arena, não foi implementada em todos os setores e entradas do estádio, apresentou falhas em algumas partidas do time e divide a opinião dos torcedores do Palmeiras. A final do Paulistão contra a Água Santa, no domingo, vai ser o teste de fogo do sistema. O estádio estará com sua lotação máxima. Nesses jogos, muitos torcedores fazem uma concentração mais longa nas ruas antes de entrar na arena.

Estadão ouviu relatos de palmeirenses que contaram terem tido problemas na hora de acessar o estádio com a biometria facial. A reportagem também identificou presencialmente falhas no equipamento em mais de um jogo do Palmeiras nas últimas semanas. Para ter sua biometria facial registrada, o torcedor, seja ele sócio Avanti ou não, tem de fazer um cadastro por meio do site www.ingressospalmeiras.com.br O funcionamento é simples: o equipamento identifica a imagem do torcedor associada ao ingresso comprado e libera a entrada. Há profissionais auxiliando os palmeirenses nas entradas dos setores.

Segundo o clube, o sistema está sendo implementado de forma gradual e em setores alternados. A estreia das novas catracas que identificam a face do torcedor foi feita, ainda como teste, em jogo-treino contra o Monte Azul, em 10 de janeiro. A primeira partida oficial com a tecnologia foi o clássico com o São Paulo, no dia 16 do mesmo mês. Depois, continuou a ser usada em mais cinco jogos no Allianz Parque – contra Inter de Limeira, Red Bull Bragantino, Ferroviária, São Bernardo e Ituano, todos pelo Paulistão.

No duelo mais recente da equipe em casa, contra o Ituano, pela semifinal do Estadual, a biometria facial foi utilizada nos setores Central Leste, Central Oeste, Gol Sul e Superior Oeste. Ao Estadão, o Palmeiras justifica que, por se tratar de uma tecnologia inovadora, “o clube optou por implementá-la de forma gradual, “a fim de identificar eventuais intercorrências e necessidades de mudança nos processos operacionais, sem comprometer a experiência do torcedor”.

Para a grande final, o reconhecimento facial estará em funcionamento nos setores Central Oeste, Superior Sul e Superior Oeste (Portão A) e Central Leste (Portão C) somente para sócios Avanti e torcedores comuns. Os demais palmeirenses que utilizam outro serviço para entrar na arena não passarão pela biometria facial. Nos outros setores, o acesso ocorrerá com o e-ticket ou o ingresso impresso.

A ideia é que toda arena seja equipada com a tecnologia, mas isso dependerá da evolução do sistema. Por ora, o clube admite a existência de “intercorrências”, mas entende que elas servem para que o “sistema seja aperfeiçoado”. E, mesmo com os contratempos, considera satisfatória a experiência. “O processo de implementação da tecnologia tem ocorrido dentro do esperado e seguirá avançando até que o Allianz Parque se torne a primeira grande arena do mundo com biometria facial em 100% dos acessos”, planeja o Palmeiras.

FALHAS, TRAVA E DEMORA

Na semifinal do Paulistão, o Palmeiras diz que não foram verificadas falhas, tampouco demora nas catracas. No entanto, mais de um torcedor relatou o contrário à reportagem. Paulo Sabbadin, um entre os 200 mil palmeirenses cadastrados no sistema de reconhecimento facial, comprou ingressos para o Gol Sul, setor em que, segundo o palmeirense, não havia catracas com a biometria facial antes do jogo contra o Ituano. “O clube tinha anunciado que haveria o reconhecimento facial, mas acabou mudando de ideia no dia anterior”, conta.

Já a torcedora Letícia Pozelli não teve o seu rosto reconhecido pelo equipamento. “No dia, tinha muita gente ainda na fila e estava uma loucura para entrar, tanto que demorou mais do que o normal por conta da biometria”, afirma a palmeirense. Quando ocorre algum problema, há uma represada na entrada do torcedor. A solução tem sido rápida.

O Palmeiras afirma que “estudos e medições realizados nos últimos jogos apontam que a nova tecnologia permite a entrada do torcedor no estádio em torno de 50% a 60% mais rápido do que o sistema tradicional”, aquele da leitura dos ingressos. Segundo o clube, a maioria dos problemas está relacionada a erro no cadastramento ou registro do rosto de outra pessoa.

A alternativa que o Palmeiras oferece ao torcedor em caso de falhas da plataforma é acessar o estádio com o ingresso virtual, o e-ticket, ou o bilhete físico. Foi o que fez a arquiteta Andrea Lima, de 32 anos. “Fui a um jogo em que, de última hora, cancelaram o reconhecimento facial e usei o bilhete online”.

Apesar das dificuldades, ela é uma das que consideram benéfica a instalação da tecnologia no Allianz Parque. “Eu achei boa a ideia porque inibe a ação dos cambistas, sobra mais ingressos para o torcedor e, com o tempo, vai facilitar na hora de entrar”, argumenta. A palmeirense Hayane Brasileiro, 37 anos, discorda. “Esse sistema prejudica o torcedor comum e a diretoria está pensando apenas em fazer o torcedor comum virar sócio do programa”, critica.

Somente os torcedores cadastrados no sistema podem ter o rosto reconhecido. Para que quem ganha convites, como de empresas patrocinadoras, a entrada não tem esse cadastro facial por ora. Mas é preciso fornecedor ao patrocinador o CPF do convidado.

Como forma de combater os cambistas, o Palmeiras pediu à polícia civil no ano passado a abertura de inquérito e restringiu o “download” do e-ticket a três horas antes do jogo, entre outras iniciativas. Mas o clube crê que a venda irregular de ingressos somente será solucionada quando a implementação do sistema de biometria facial for concluída.

O sistema também tem apresentado problemas nas catracas da sede social do clube, onde foi implementado primeiramente, em dezembro do ano passado. Na quarta-feira da última semana, a reportagem notou que o leitor biométrico não estava sequer funcionando, obrigando os funcionários da portaria a anotar o nome e identidade de cada associado que entrava no clube social naquele dia.

SEGURANÇA

A presença do leitor biométrico no Allianz Parque suscitou a discussão sobre a privacidade de quem frequenta a arena palmeirense. Existe preocupação, sobretudo, com a possibilidade de vazamento de dados dos torcedores. Os dados biométricos, cabe lembrar, são considerados sensíveis e estão protegidos por lei federal.

“Optando pela utilização, o clube sabe da sua responsabilidade ao gerir tanta informação. Vivemos num país em que há diversos ataques cibernéticos. O vazamento de dados pode causar prejuízo ao torcedor como ao próprio clube, com desgaste de sua imagem e multa”, afirma Luiz Augusto D’Urso, advogado especialista em crimes virtuais, professor de direito digital FGV e presidente da Comissão Nacional de Cibercrimes da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim).

“A LGPD impõe uma série de requisitos para tratar esses dados e punições em eventuais vazamentos”, acrescenta D’Urso, citando a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais. Aprovada em 2018 e em vigor desde 2020, a legislação é considerada um marco, porque criou regras e princípios de transparência em relação ao uso e tratamento de dados nos setores público e privado.

O Palmeiras declara cumprir com todas as formalidades legais e regulatórias que lhe são impostas pela LGPD e assegura que ele e a empresa de tecnologia responsável pelo equipamento estruturaram o processo de modo a evitar vazamentos, com o armazenamento dos dados em servidores próprios e exclusivos para a verificação da identidade e o acesso ao estádio. Também diz que a biometria facial não é utilizada pelo clube ou pela empresa parceira para qualquer outra finalidade que não seja a de garantir o acesso do torcedor à arena.

Compartilhe esta notícia