O Brasil tem acumulado casos de discriminação em todo território nacional. No Distrito Federal, a situação tem sido preocupante. De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, em 2021, foram registrados 569 casos de injúria racial e 15 de racismo. Se compararmos ao mesmo período de 2020, ambos os indicadores cresceram 28,9% e 5,8%, respectivamente.
O problema também pode ser encontrado no sistema de educação superior e envolve diversos tipos de preconceito. O estudante de engenharia de software da Universidade de Brasília (UnB), Pedro Jesus (20), é afrodescendente e contou um pouco da experiência no câmpus do Gama (DF). Ele falou que já foi alvo de comentários ofensivos.
“Há muitas brincadeiras preconceituosas. Elas, nem sempre, são direcionadas diretamente a determinado grupo ou pessoa. Porém, em alguns casos, muita gente se sente ofendida”, observou Pedro. O jovem explicou que tenta não levar em consideração as “brincadeiras” dos colegas, mas nem sempre é possível.
Pedro foi um universitários que aceitou ter seu nome divulgado, muitos outros conversaram com nossa equipe e pediram para terem suas identidades preservadas. Vários deles disseram que entre a comunidade acadêmica da Unb um termo tem ganhado destaque e é direcionado a pessoas que são alvos de atitudes discriminatórias: cancelado.
A Cultura do “cancelamento” ganhou destaque na internet entre 2019 e 2021. Basicamente, é quando alguém é excluído, normalmente, por realizar ações que não são aceitas em determinado grupo. Há casos em um o “cancelamento” ocorre como forma de represália a uma atitude negativa, mas ele também é usado como forma de bullying.
O portal “Atividade News” entrou em contato com a comunicação da Universidade de Brasília para entender melhor sobre o sistema de apoio e atendimento ao aluno. Na instituição, existe a Secretaria de Direitos Humanos. No entanto, não tivemos respostas até o momento de publicação desta matéria.
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (2019) aponta que mais de 23 milhões de estudantes, entre 15 e 29 anos, estão com o ensino superior incompleto ou em andamento, sendo 65,54% pretos ou pardos. Nesse contexto, muitos, se tornam alvos de atitudes preconceituosas que abarcam também as pessoas com deficiência que ingressam nas universidades.
Segundo o assistente social, Seiti Kleffer, a experiência no câmpus sendo um deficiente visual, de início, foi bem desafiadora. “ É que a gente começa em um espaço muito grande e que conhecemos poucas pessoas. Então, não é fácil de você se orientar. Tinha também um certo medo de críticas […]”, afirmou Kleffer. Ele ingressou na graduação de serviço social em 2009. Hoje, o assistente trabalha na instituição no Núcleo de Inclusão e Orientação Psicopedagógica (NIOP).
Kleffer, ao ser questionado sobre os preconceitos durante o andamento da graduação, explicou à Atividade News que vez ou outra sentia alguma “estranheza”. Ele tentava lidar da melhor forma possível com a situação. “ Eu acredito que boa parte das estranhezas dessas pessoas é justamente por causa da falta de conhecimento. Às vezes, não é porque a pessoa não quer, ela tem um momento estático, um momento sem saber o que fazer”, acrescentou.
Kleffer lembra que quando foi prestar vestibular não teve muito suporte da banca examinadora. Por isso, fez a prova com o auxílio de uma assistente nas partes em que exigia escrita como a redação. No entanto, foi desclassificado por ter recebido a ajuda. “Como assim eu não escrevi?”, contou Kleffer.
Essa situação evidenciou, na época, uma falta de preparo da banca em relação a uma metodologia mais inclusiva a partir da adaptação do material. Já dentro da universidade, ele recebeu esse suporte do Serviço de Orientação Inclusiva (SOI). No DF, o Instituto Federal de Brasília (IFB) tem um setor que oferece auxílio semelhante: o Núcleo de Atendimento às Pessoas com Necessidade Específicas (NAPNEs).
O coordenador do projeto, Rafael Machado, afirmou que o NAPNES debate, principalmente, os preconceitos contra as pessoas com deficiências, transtornos do espectro autista ou altas habilidades. Mas também, indicou que há outra iniciativa focada nas questões raciais, de gênero e diversidade ministrada pela professora Paula Dutra.
No caso do NAPNE, Rafael contou que não há sistema registros de denúncias graves sobre preconceitos que necessitassem de uma ordem jurídica, mas lembrou de alguns casos mais complexos.“Foram relatadas situações nas quais uma deficiência física, por exemplo, gerou certa curiosidade com relação ao estudante PcD. A situação foi identificada pelo campus e ações pedagógicas foram realizadas com as turmas do referido campus com o esclarecimento à toda comunidade sobre as especificidades com que lidariam e sobre como cada um poderia tornar o ambiente do campus mais acolhedor”, disse Rafael.
Já em relação à questão dos preconceitos envolvendo a homofobia e a transfobia , os casos aumentaram 147,4% em todo país. Somente no DF, foi em torno de 45,8% da incidência entre 2020 e 2021, conforme a Secretaria de Segurança Pública (SSP).
O fotógrafo, Bernardo Henrique (24), contou um pouco da sua vivência sendo um jovem trans dentro da faculdade. “Sempre fui muito respeitado por quase todos. Mas tive uma experiência negativa: não fui chamado pelo meu nome social no dia da minha colação, o que foi bastante constrangedor.”.
Bernardo lembra que assumiu a sexualidade durante a graduação de publicidade na Universidade Católica de Brasília (UCB). Ele disse que tinha medo de ser maltratado ou de as pessoas o chamarem pelo nome em que não se identificava. Todavia, teve bastante suporte dos amigos e professores. O que levou como aprendizado foi, exatamente, a luta pelo respeito.
“ […] quando alguém quer te respeitar, não existe impedimento ou ‘conheci com outro nome e é difícil’. Muitos amigos de infância não enxergam dificuldade alguma em me respeitar ou se adaptar à mudança. Eu enxergo que existe um esforço pequeno em se adaptar a essa ‘mudança’, as pessoas errarem no começo ou se confundirem, às vezes, pelo fato de eu ainda não ter começado a transição física, é algo super normal. Mas dá pra ver quem faz esforço e quem não liga pro meu bem estar de verdade”, relatou Bernardo.
Prejuízos Psicológicos
Além da necessidade de repensar o combate dos preconceitos dentro da Universidade, se torna essencial procurar apoio para a saúde mental. O psicólogo do Instituto Brasiliense de Análise do Comportamento (IBAC), Rafael Moore, reforça que os grupos minoritários têm maiores riscos para desenvolver transtornos mentais por conta da discriminação.
“Então, qualquer pessoa que pertença a esses grupos deve estar atenta a sinais de adoecimento, tais como baixa autoestima e autoeficácia, baixa motivação, tristeza frequente, pensamentos negativos sobre si, como não ter valor, não merecer amor, ser inferior, não ser bom o bastante, problemas de sono, ansiedade, irritação frequente, culpa excessiva ou inadequada […], conta Rafael.
De acordo com a psicanalista Alessandra Araújo, as vítimas dessa violência que não verbalizam o que está acontecendo, precisam se atentar nessas respostas físicas que podem aparecer junto com a ideia de que se “aproxima a ida à universidade”. Nesse caso, análise ou leve em consideração os seguintes fatores:
- Identificar essa violência;
- Falar sobre o que está acontecendo com as pessoas em volta;
- Buscar ajuda profissional;
- Dentro do ambiente onde o preconceito acontece, buscar as autoridades para que
cessem o preconceito; - Não assumir o “defeito” que os outros aplicam a si;
- Buscar ajuda jurídica;
- Se for preciso aceitar uma ajuda com medicações para restabelecer a saúde

